Com
tablets, mas sem professores
10/01/13
Por Vinicius Bropé, do Porvir
Crianças que nunca tiveram contato com
nenhuma palavra tentam aprender a ler sem a instrução de um professor.
Com mais de 100 milhões de crianças sem acesso à escola, a
One Laptop per Child,
organização voltada à educação que leva laptops e tablets para países em
desenvolvimento, executou um experimento polêmico na Etiópia. A iniciativa, que
contou com o uso de tablets movidos a energia solar, foi implantada com o
objetivo de observar se crianças analfabetas, sem exposição prévia a palavras,
são capazes de aprender a ler sozinhas experimentando os aplicativos, jogos,
e-books e desenhos animados. Mas como sozinhas? Exatamente isso. O material foi
entregue sem nenhuma instrução ou auxílio de professores.
A experiência foi realizada com cerca de 40 crianças em
duas vilas rurais isoladas, a 250
km da capital Adis Abeba. Uma das aldeias, chamada de
Wonchi, fica na borda de uma cratera vulcânica, numa altitude de mais de 3.000 metros . De
acordo com Nicholas Negroponte, fundador da One Laptop per Child, as crianças
que receberam o tablet – que nunca haviam visto nem sequer um material
impresso, como sinais de trânsito ou embalagens –, levaram cerca de quatro
minutos para descobrir como abrir as caixas e ligar os dispositivos. “Eu pensei
que eles fossem brincar com as caixas. Dentro de duas semanas, eles estavam
cantando canções do alfabeto pela aldeia e em cinco meses já haviam invadido o
sistema operacional”, disse Negroponte em entrevista ao Technology Review.
Em apenas duas semanas, eles descobriram como burlar o
sistema para ativar a função de câmera e personalizar a área de trabalho. Já na
terceira semana, cada criança usava 47 aplicativos todos os dias. “As crianças
tinham personalizado totalmente a área de trabalho. Nós havíamos instalado um
software para impedi-los de fazer isso”, disse Ed McNierney, diretor de
tecnologia da organização.
Um técnico visitou as aldeias uma vez por semana para
trocar os cartões de memória para que os pesquisadores pudessem estudar como
foram utilizados. Depois de sete meses, além de dominar completamente a
utilização e a recarga dos aparelhos, algumas das crianças conseguiam até mesmo
recitar palavras. Um dos garotos, exposto a um jogo de alfabetização com
imagens de animais, abriu um programa de pintura e escreveu a palavra “leão”,
por exemplo. “Se eles podem aprender a ler, então eles podem ler para
aprender”, diz Negroponte. Veja vídeo gravado durante o experimento.
A pesquisa lembra um outro estudo que ficou bem famoso e
ajudou em pesquisas educacionais, o do indiano Sugatra Mitra, que deixou
computadores em 1999 em uma aldeia indiana sem nenhum tipo de instrução. Ao
voltar, tempos depois, encontrou crianças e jovens manipulando o equipamento
sem dificuldades. Apesar da semelhança e dos achados positivos, a pesquisa vem
sendo questionada. “Independentemente do sucesso do projeto, o conceito vai
contra alguns dos lemas dos defensores da ed-tech, como o fato de que
tecnologia é apenas uma ferramenta que deve ser incorporada de maneira racional
e com a instrução de um profissional”, afirma Katie Ash, articulista
especializada em educação na EdWeek. McNierney, no entanto, rebate. “O que
podemos fazer por estes 100 milhões de crianças em todo o mundo que não vão
para a escola?”, questiona. ”Podemos dar-lhes ferramentas para ler e aprender,
sem ter que fornecer escolas, professores, livros didáticos e tudo isso?” E
você, o que acha?